quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Salmonela em Répteis


Devido a uma reportagem publicada no dia 12 de março de 1997 no jornal O GLOBO (RJ), sobre o recente surto de salmonelose em pessoas relacionadas com a criação de répteis em cativeiro nos EUA, tenho recebido regularmente telefonemas de pessoas aqui no Brasil que compraram animais e estão apreensivas quanto ao potencial de transmissão da doença entre as pessoas, portanto tentarei explanar algumas observações a respeito do assunto. Os dados emitidos nesta matéria estão baseados em informações científicas, cujas referências estão em seguida, entre parênteses. Para qualquer informação extra, dúvida ou sugestão, faça contato comigo.
Salmonella é um gênero extenso de enterobacteriáceas, ou seja, bactérias encontradas normalmente no trato gastrintestinal de insetos,aves, mamíferos e répteis. No caso de répteis, estão comprovadamente envolvidos as iguanas (Frye, Frederic L., 1995) e outras espécies de lagartos (Hinshaw, W.R. and McNeil, 1974), e serpentes (Hinshaw, W.R. and McNeil, 1994). De acordo com Martin Toly, epidemiologista do New York Departament of Health, também foi constatada em monitores (lagarto) e pítons (serpente). Os sintomas incluem febre, dor estomacal, náuseas e diarréia, além de vômitos. Pode causar um quadro de gastroenterite e, caso se estabeleça na corrente sangüínea, causa septicemia (infecção generalizada), meningite, encefalite e osteomielite, podendo levar à morte. Mesmo que um animal carregue a bactéria, apenas uma minoria dos 2.000 sorotipos conhecidos da mesma pode ser perigosa para seres humanos, e entre elas, apenas a Salmonella typhi pode ser transmitida de pessoa para pessoa (Miller et al, 1995). De qualquer forma, há poucas chances de seres humanos em estado físico normal contraírem a doença, que atinge mais facilmente crianças de idade inferior a seis anos, os idosos e as pessoas imunossuprimidas, ou seja, com doenças como o câncer, tuberculose ou a AIDS. Um fator muito importante para o controle da doença consiste em se observar medidas básicas de higiene, como o simples ato de lavar as mãos depois de manipular qualquer tipo de animal, inclusive cães e gatos domésticos. Apesar da transmissão ser dificultada por todas as barreiras acima descritas, não se deve ignorar a possibilidade de contágio, pois, apesar de mínima, há chance da doença acontecer e uma pequena porcentagem de pessoas contaminadas virem a falecer. Em um estudo feito em 1991 por Miller de casos de Salmonella em seres humanos, entre 12.748 casos registrados, 49 foram fatais, ou seja, 0,38%, uma percentagem pequena, mas significante.
As primeiras relações entre Salmonella e répteis foram observadas no início dos anos 70. Desde esta década até hoje pesquisadores observaram cerca de 250.000 a 300.000 casos de salmonelose adquiridos pelo contato com tartarugas verdes (vide Frye; Volk et al.), o que levou em 1975, a U.S.F.D.A., agência governamental americana responsável pelo controle de qualidade de medicamentos e alimentos, a vetar a venda de tartarugas aquáticas menores de quatro polegadas (10 cm), tamanho onde era possível que as crianças pudessem colocá-las na boca, vindo a contrair a doença, prevenindo uma possível contaminação de 100.000 casos anuais, estimativa da própria agência. De acordo com Martin Toly, apenas uma pequena percentagem (10% de casos) de salmonelose em seres humanos está relacionada com répteis nos EUA, portanto, nós devemos nos preocupar muito mais com a Salmonella transmitida por verduras e frutas, carne bovina e principalmente frango, ovos, queijo e leite contaminados, artigos que adentram bem mais facilmente em nossas casas do que a Salmonella transmitida por répteis, cuja manipulação deve obedecer a regras óbvias de higiene. No Brasil, não é artigo raro nos jornais casos de infecção alimentar causada por Salmonella em restaurantes e presídios, devido à contaminação na alimentação, que pode ter acontecido em determinado produto (por exemplo, ovos contaminados na própria granja) ou na hora do processamento da comida, por falta de higiene na hora do preparo. Apesar disto, fatos como estes passam com pouca notoriedade pela maioria do público, o que não acontece no caso de animais ditos como "diferentes" por certas pessoas (tentando ser brando, ao colocar a opinião da maioria das pessoas a respeito de répteis).
O parágrafo anterior não exime de responsabilidade as pessoas que têm contato direto ou não com répteis, mas visa retirar uma possível sensação de alarme que matérias de jornal possam infundir, de forma intencional ou não, pois as pessoas que me contatam geralmente se mostram bem assustadas com a hipótese de contrair a doença. A terrariofilia no Brasil está começando e deve acontecer de forma inteligente e baseada em pesquisa científica para que haja evolução. Às pessoas que me procuram antes da aquisição de serpentes ou iguanas procuro explicar que este tipo de atitude requer um certo grau de responsabilidade. Criar répteis requer respeito e pesquisa por parte da pessoa interessada, pois são animais "Tabus" para a maioria das pessoas. Nunca se deve sair à rua com seu iguana de estimaçãoporque você sabe que não há risco para ninguém. As pessoas têm medo e, irracional ou não, este deve ser respeitado.
As informações aqui contidas não saíram apenas do que eu entendo a respeito de Salmonella, seja em répteis e outros animais, bem como em produtos alimentícios industrializados ou in natura. São partes de artigos publicadas em periódicos especializadas em herpetologia, bem como material coletado em homepages especialmente preparadas para educar as pessoas sobre o problema. Caso haja necessidade de outras informações, contate me, procure veterinários especializados em zoonoses, dentro de centros municipais, bibliotecas e outras fontes de informação confiáveis. Analise e pese as informações obtidas e daí desenvolva seu próprio ponto de vista, firmado em esclarecimentos obtidos de fontes confiáveis. Abaixo vão mais medidas úteis. Leia com atenção e passe adiante aos interessados:
Pessoas que não devem manter contato com répteis:
  • Bebês e crianças abaixo de cinco anos de idade.
  • Qualquer indivíduo que porte doença que afete negativamente o sistema autoimune (HIV/AIDS, Câncer, etc.).
  • Qualquer indivíduo que esteja sob terapia de rejeição ou sob período pós-cirúrgico.
  • Pessoas sob terapia supressora do sistema imune (quimioterapia, radioterapia, corticosteróides, modificadores biológicos, etc.).
  • Mulheres grávidas, devido ao risco latente de contaminação fetal.
  • Idosos, convalescentes e pessoas em baixo estado nutricional.
Medidas úteis para evitar riscos de se infectar ou se tornar portador assintomático de Salmonella:
Medida óbvia:
  • Após manejar animais de terrário ou equipamento relativo, lavarbem as mãos com sabão, ensaboando por 30 segundos e enxaguando com bastante água. Dê preferência a um sabão antibacteriano. Lavar somente com água é ineficaz contra Salmonella.
  • Répteis, bem como demais animais da casa, devem ser mantidos à distância da cozinha ou de locais onde seja preparada alimentação ou esta seja armazenada/servida.
  • Não use material de cozinha para limpar objetos relacionados a répteis e demais animais. Caso se prepare alimento para animais, estes devem ser preparados em vasilhames da cozinha e depois levados ao local do terrário, onde devem ser despejados na vasilha dos animais, estritamente sem contato.
  • Não coma enquanto cuida dos animais e dos terrários. É ANTI-HIGIÊNICO!
  • Mantenha o terrário e demais materiais sempre limpos, pois higiene é fundamental para eliminar não só Salmonella, mas todos os tipos de bactérias.
  • Crianças com menos de 12 anos devem ser sempre supervisionadas enquanto manuseiam répteis, pois não devem beijar ou levar a mão à boca enquanto estiverem em contato com os mesmos. Além disso, répteis precisam ser manipulados com respeito e cuidado.
  • Educar as crianças sobre medidas de higiene. Répteis são ótimos para se educar a respeito de lavar mãos e não colocá-las na boca, além da função de educação ambiental.
  • Não manuseie répteis se você estiver com feridas e machucados ou cortes nas mãos. Luvas de manipulação são facilmente compradas em farmácias e lojas de artigos hospitalares. São baratas e úteis até para limpeza de outras fontes de contaminação, como pias e banheiros, onde os riscos de contaminação são bem maiores que os oferecidos pelo seu lagarto.
  • Caso seja necessário utilizar boxes sanitários para terminar a limpeza do terrário ou dar banho em seus animais, desinfete o local depois com água sanitária ou soluções bactericidas comerciais.
Vale ressaltar que:
Répteis não combinam definitivamente com pessoas irresponsáveis, anti-higiênicas, exibicionistas e ignorantes. Ignorância é um fator limitante para 99% das atividades humanas comuns, sendo, com certeza, imperiosamente desnecessária na correta manutenção de répteis em cativeiro.
Rotas de transmissão outras fontes de Salmonella:
  • A forma mais comum de se adquirir Salmonella é a ingestão, ou seja, por via oral.
  • Feridas e cortes ou demais machucados nas mãos.
  • Respingos de água contaminada nos olhos e boca.
  • Inalação de aerossóis, portanto a aeração de ambientes é necessária. Antes que os leitores se levantem eu explico, terrários tropicais devem ter umidade alta e ventilação também, como o restante dos aposentos. Isto é essencial para a correta manutenção de seus animais, pois a umidade alta favorece aumento de microrganismos. Um ambiente adequadamente ventilado deve ser borrifado com água constantemente.
  • Fezes de animais são fontes constantes. Limpe imediatamente.
  • Alimentos mal cozidos são fontes de contaminação! Cuidado com carne de frango, bovina, suína, leite, queijo e ovos.
  • Restaurantes suspeitos quanto às condições de higiene devem ser evitados. Evite maioneses e verduras cruas em bancas de cachorro quente.
  • A terra contém as mais variadas cepas de bactérias e fungos. Evite mexer com terra, caso mexa, lave as mãos imediatamente.
Como foi observado, 90% do que está escrito acima não é novo para você. Você já deve ter ouvido a maioria das coisas acima descritas pela sua própria mãe, pois são regras básicas de higiene, regras estas muitas vezes ignoradas, gerando alto índices de contaminação bacteriana e verminótica nas pessoas das mais variadas classes sociais, o que já não é notícia nos jornais por aqui. Mas a recente entrada no comércio dos répteis e anfíbios começa a ser notícia difundida e devido à natureza dos animais e falta de informação de grande parte do público, pode causar transtornos desnecessários às pessoas engajadas em trabalhos sérios nesta área.
Dicas:
Não compre animais que não sejam legalizados.

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