domingo, 22 de maio de 2022

Autoconhecimento tem a ver com autocontenção


 

Autoconhecimento tem a ver com autocontenção.

Limites.

Antigamente eu pensava que toda a questão a respeito de limites era centrada na máxima socrática, obtida no oráculo délfico de conhecê-los enquanto humanos, mas não. Não é apenas isso. Precisamos mais. Precisamos demarcá-los. A Bíblia mostra Hashem estabelecendo estatutos, estatutos os quais Ele sabiamente estabeleceu e nos entregou prontos, de bandeja, para utilização imediata.

Mas nós possuímos limites internos que precisamos, além de conhecê-los, no sentido de sermos inteirados de sua existência, estabelecer seus “estatutos”.

As aspas se tornam necessárias e convenientes pelo fato das palavras “estatutos” e “limites” de fato serem sinonímias. Então, seria apropriado dizer que devemos estabelecer limitações aos nossos limites?

Muitas vezes, mesmo tendo noção de nossos limites, estes não são suficientes para que, ao usarmos deles não fiquemos livres das consequências nefandas de sua justa utilização.

Podemos, ao lançar mão de nosso reconhecido direito de verbalizar ou agir, para que, no final, apenas nos tornemos insensíveis algozes e, consequentemente, futuras vítimas tardias de vendetas em razão de nossas atitudes, ainda que notoriamente legítimas, portanto notoriamente admitidas, no entanto notadamente imorais, por conseguinte, manifestando suas nítidas falhas, tanto no âmbito de uma ação pessoal a ser tomada, quanto ao caráter a ser definido.

Nem todo direito deve ser utilizado na sua completa extensão, não leve seu crédito ao limite, diria o sensato administrador. O que anula e torna insignificante o mérito do correto proceder, ao se dispor do agir numa correta tomada de decisão, ainda que legitimamente? Há que se entender que o ato de locomover-se tanto é próprio, do humano quanto do equino, mas há que se entender da patente inadequação desse ato natural quando o segundo o executa dentro do escritório.

A capacidade de conter a insolência, citada por Marcus Aurelius.

Em primeiro lugar, julgo que o mais importante, antes de tudo é estabelecer a responsabilidade do direcionamento desta virtude de difícil conquista e manutenção:  Marcus Aurelius, embora tivesse poder suficiente para o contrário, obviamente se refere a si próprio ou a referência seria “ a capacidade de conter os insolentes”.

Como insolentes, me refiro àqueles que agem com despropósito, inadequação. Os arrogantes e estúpidos. Aqueles tidos como inconvenientes, tanto por suas falas quanto pelos seus atos. Essa inadequação é surpreendentemente ativa nos mais símplices de caráter, mas se apresenta de forma inusitada e em ocasiões inesperadas até nos mais sábios, portanto, endêmica na humanidade.

São 3 os benefícios resultantes ao homem capaz de controlar a insolência própria, a saber, a superação da dor e do prazer, a superioridade sobre uma pequena glória e a não afetação emocional em relação aos obtusos e ingratos.

Passar sobre e ao longe, sem se importar com o sentimento de regozijo diante da sua retórica, pela perfeita capacidade de ordenamento do pensamento a respeito do assunto discutido, que leva ao seu raciocínio a ser aplaudido, bem reputado e sendo honrado com a última palavra sobre a querela te faz superar o prazer.

Por outro lado, é fato que a sensação de dever cumprido, mesmo superior, não é menos almejada que a de reparação da honra por uma reprovação quanto a uma colocação fraca ou mesmo errada num argumento, quando o indivíduo remodela seu antes defeituoso raciocínio e retoma a razão e tem reconhecida vitória sobre o querelante.

Neste caso, temos que entender que tanto essa mencionada dor deste segundo caso, quanto o prazer citado no anterior, ainda que possuindo importâncias diferentes, têm características deletérias ao caráter humano na mesma intensidade, portanto, são objeto de igual atenção e combate similar.

Para o autor, não existirá glória humana que resista ao tempo, mas há de se agir conforme e de acordo com os ditames naturais, sem a eles negar sua superioridade intrínseca e nossa intrínseca submissão. Tudo mais, tudo além da vida consonante com o fluxo “naturae”, a saber, o fisiológico e o patológico não se revelam de grande importância, sendo reputados como glórias pequenas e facilmente evanescentes.

Reconhecimento, homenagem, títulos, conquistas materiais ou imateriais, honrarias e distinções, que por sua natureza dividem indivíduos em níveis e graus de importância, estas pequenas glórias, o homem sábio deve superar ao conter sua insolência. Fortuna ou desgraça não têm apelo sobre o homem sábio, pois ambas são vãs.

 

Homens sábios recebem com desdém as falas e atos de pessoas obtusas e ingratas. Não há possibilidade de crescimento mental ou espiritual nesse tipo de fala ou ato. Perda de tempo não tem boa recepção para os que procuram sabedoria, portanto não há local de guarida a este tipo de raciocínio diametralmente oposto à verdadeira riqueza e à busca da real felicidade humana.

Não obstante o homem sábio sabe que, enquanto possui riquezas reais, outros sofrem pela falta deste recurso valiosíssimo e não os vê com o mesmo desdém dirigido às suas palavras e proceder. A estes, diz o autor, lhes é sempre solícito no intuito de que aprendam e mudem de rumo.

De certo modo, observa-se dois tipos de entendimento do mundo: os que entendem que o mundo está num universo caótico e, nada esperando do mesmo, nada investem em esforços racionais para sua riqueza espiritual.

Seres assim estão caminhando em desespero, pois seus únicos dons são conquistados por sua própria mão ou arrebatando sem culparem-se, das mãos de outrem.

As demais encaram o universo como um encadeamento ordenado, longe do visual caótico, portanto procuram seu ordenamento e, com isso deparam-se com a existência do seu Ordenador e Este lhes fala, através de Sua obra e lhes proporciona dons em profusão, seja para prazer ou para corrigir, e destes recebe agrado e gratidão, pelo bem e pela real felicidade

Estes homens, alguns sem muito recurso, outros com abundante provisão material, crescem e frutificam, pois a cada experiência travada distanciam-se do desespero e movem-se na direção oposta, rumo à fiel esperança de crescimento interno, crescimento este que nada nem ninguém lhes pode arrebatar.