quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Um pastor que não tinha apenas ovelhas






Acabo de enterrar o último de uma dinastia de pastores que de tudo sabiam, e que além de tudo saber,  em algumas áreas demonstravam ainda mais  total competência. Verdadeiros titãs, que tinham tudo que estava dentro de suas igrejas sob controle. Nada escapava de suas mãos, eclesiologicamente falando.

Não tinham hora pra acabar, não tinham hora para comer, dormir, descansar, davam conta de tudo, ninguém podia os acompanhar. Superá-los? Não havia quem intentasse tal coisa. Não temiam nada. implacáveis, admiráveis.
Insuperáveis.

Alguns vão dizer que este tipo de atuação não é possível e que esta atitude centralizadora coloca tudo a perder. Mas o legado que eles deixaram nega todos estes argumentos com um sorriso no rosto e o pé nas costas.

Sebastião Ferreira.

Para os batistas brasileiros este texto dispensa qualquer explicação e termina aqui.

Mas quero dividir o sentimento que possuo pelo meu pastor com quem quiser ler um pouco além.

Sua esposa, Dona Ruth, foi minha professora da EBD. Ela me alfabetizou nas palavras da Bíblia e mesmo tendo uma natureza que procurava me afastar de Deus, "no entanto, me fez permanecer no ensino que recebi, e sobre o qual tenho plena convicção sabendo bem o que tenho aprendido", ela possibilitou que "desde a infância eu soubesse as sagradas letras, que tiveram poder para me fazer sábio para a salvação, por intermédio do Senhor Jesus". É. Isso foi uma paráfrase.

Dona Ruth colocou tijolos e cimento nas bases do meu crescimento cristão. Me apresentou à Palavra de Deus, a Bíblia.

Meu pastor me apresentou ao Senhor Jesus de uma forma que só um bruto como eu teria interesse: pela razão, ferramenta intelectual que me maravilhava e me surpreendia.

Aprendi com meu pai, Luiz Carlos do Couto,  que ele precisava de apoio e conselho. Como obviamente em nada poderia contribuir em termos de aconselhamento, decidi que o protegeria. Como se um homem guiado por Deus precisasse de algum tipo de proteção de outrem. Mas qual outra função para um cão em um rebanho de ovelhas senão a de cão pastor?

Pastores tem ovelhas e meu pastor também tinha um cão pastor, pois eu não sabia ser ovelha e queria, precisava ficar ao lado dele. Minha natureza agressiva necessitava encontrar calma e alguma paz, e aquele homem conseguia apaziguar as sombras dentro de mim com sua voz. E as sombras não eram poucas dentro de mim.






Aquele homem cuidava mais da minha família que eu dele, por isso a estima por ele crescia e com isso aprendi a enxergar nele o reflexo de Cristo. Eu aprendi a amar sendo amado pelo meu pastor.

 Meu pastor era uma cópia mal feita de Cristo. Isso é algo surpreendente. Raramente na minha vida deparei-me com gente assim. Ele era especial. Um vaso de barro cheio do melhor tesouro. E até o seu barro era melhor que o meu.

E assim ele me mostrou como Jesus era e O aceitei. Ele vivia Jesus, amava Jesus, sua primeira pergunta nas profissões de fé era sempre "Você ama a Jesus?"

Esta pergunta simples é o desenrolar de nada menos que a Shemá! O primeiro mandamento, é a confirmação da presença de Jesus, pois, "Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, ESSE É O QUE ME AMA, e aquele que me ama será amado por meu pai e eu o amarei, e me manifestarei nele".
A manifestação de Jesus é para aqueles que o amam! A quele homem deixou um legado de vidas felizes e salvas por Cristo porque Cristo se manifestou nele, pelo simples e determinante fato de que ele amava ao Senhor Jesus.

Nunca mais esta pergunta "Você ama a Jesus?" foi tida como uma questão simples na minha vida. Passou a ser prioritária.

Conheci seus erros e por isso não deveria ser tão convicto de sua santidade, mas mesmo  suas decisões erradas estavam encharcadas de amor, de auto sacrifício, de renúncia. Como eu gostaria que os erros  que cometi na vida tivessem este fator amenizador.

Ele gostava de carne de caça e dona Ruth apreciava peixes. Eu os trazia para eles. Gostava de vê-los sorrir. Me sentia esperto. Cão esperto.

A Bíblia diz que as ovelhas ouvem a voz de seu pastor. Eu, como não era ovelha, me sentia isolado e triste. Mas Deus provava seu amor por mim, pois meu pastor me conhecia.
 Desde pequeno ele me chamava de amigo, cresci e me tornei feroz, e mesmo assim ele me chamava de amigo.
Amadureci e adquiri algum autocontrole e ele me chamava de amigo, pois sabia o que eu era para ele. Aquilo me fazia bem. Você pode até dizer que possui muitos amigos. Mas eu não.

Ao envelhecer e a doença o tomar, fazendo com que esquecesse coisas simples, Deus me premiou, mostrando que minha tristeza por não ser ovelha não era justificada pois, mesmo esporadicamente me vendo, ele sempre sabia meu nome. E sempre completava "Meu amigo".

Tive a honra de servir a Deus através do serviço ao meu pastor, que soube me colocar na única função que executaria 100%.
Tive inveja até das pessoas que ele ralhava e aceitava sua correção sem pestanejar, sua autoridade sem piscar. Como não aceitar se aquelas ordens estavam encharcadas de amor?

Hoje deixei meu pastor no pomar dos ossos, sabendo que, um dia, brevemente, irei também me ajuntar ao grande rebanho do Senhor Jesus, onde ele está agora, ceando em Sua mesa, tendo a mente de Cristo, sendo um com Ele, não mais aquela cópia mal feita de Jesus( que mesmo mal feita era inalcançável pra mim).

 Um dia estarei junto ao Senhor Jesus e reencontrarei meu pastor.

E se ele estiver perto do Mestre, imagino se Jesus perguntá-lo se ele conhece este que está se chegando, sei exatamente o que ele iria dizer:

"Aquele?

É Ademar, meu amigo"







"Eras indigno, mas escolhi-te; 

Não temas, pois eu muito te amei; 
Quem do meu braços pode pode arrancar-te? 
Sempre seguro te guardarei"
(Rica promessa . CC 349).



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