terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

E deu no que deu

10/02/2014
 às 21:29 \ Brasil

Os “pensadores” que deveriam ir ao velório do cinegrafista da Band, a carta de sua filha e as declarações da viúva

Cinegrafista BAND morto
No dia em que é declarada a morte cerebral de Santiago Andrade, de 49 anos, cinegrafista da Band atigido por um rojão enquanto cobria as “manifestações”, convém lembrar o nome de alguns “pensadores” que legitimaram moralmente os atos dos vândalos ou aliviaram a barra deles o quanto puderam, até o ponto tragicômico de chamá-los de “presos políticos”.
 
Cada um desses, entre muitos outros que eu talvez acrescente depois (com a ajuda de vocês), deveria comparecer ao velório de Santiago e pedir desculpas à família pela irresponsabilidade intelectual, ainda que a responsabilidade criminal seja do “Black Bloc” que atirou o rojão. O título do meu primeiro artigo sobre as manifestações, publicado em junho de 2013, já resumia o que a imprensa e a intelectualidade esquerdistas estavam dando desde o começo aos “manifestantes”: um “Passe Livre para a delinquência“, que só poderia resultar, “acidentalmente” ou não, no cadáver de um inocente.
 
Ricardo Boechat
Apresentador do Jornal da Band
 
No Youtube: “(…) Essa realidade vai mudar (…) se a população atacar, partir pro contra-ataque. Eu sou favorável a arranhar carro de autoridade, eu sou favorável a jogar ovo, eu sou favorável a revolta, a quebra-quebra, o c…lho. ‘Ah, isso é vandalismo!’ Vandalismo é o cacete! Vandalismo é botar as pessoas quatro horas na fila das barcas todo dia (…). Vandalismo é tu roubar feito um condenado o dinheiro público (…).”
 
Francisco Bosco
Colunista do Globo
 
“(…) quem está tentando saquear lojas está, precisamente, reivindicando um país melhor. E eles nos representam. São os únicos que realmente nos representam.” “(…) aqueles que passam ao real (os ‘vândalos’) na verdade não querem isso, não querem falar a ‘linguagem’ da PM. Esse é apenas o último recurso que resta quando os recursos da realidade são todos falseados.” “(…) é claro que eu preferiria obter transformações estruturais sem as injustiças e as confusões decorrentes dessas passagens ao real (…), mas isso não me parece possível, justamente.”
 
[Ver meu artigo: Vamos comparar Rachel Sheherazde com Francisco Bosco, em homenagem ao PSOL e ao Sindicato dos Jornalistas, inclusive para entender o artifício que Safatle usa abaixo]
 
Vladimir Safatle
Professor de Filosofia da USP
 
Na Folha, querendo uma solução política e não policial para os vândalos que chantageiam o Estado com uma “violência genérica”: “(…) Nesse contexto de mutismo, a violência aparece como a primeira revolta contra a impotência política. A história está cheia de exemplos nos quais as populações preferem a violência genérica à impotência. Ainda mais quando se confrontam com uma brutalidade policial como a nossa. Como todo sintoma, há algo que essa violência nos diz. A resposta a ela não será policial, mas política.”
 
Bruno TorturraRepresentante do Mídia Ninja, parceiro de Pablo Capilé
 
No Valor: “O Black Bloc não é um movimento. É uma estética, um código simples de reproduzir. Quando vão para a rua a sociedade identifica: o Black Bloc chegou. É um comportamento emergente. (…) A ação direta das pessoas, seja alguém de classe média que pintou a cara de verde e amarelo, seja o garoto de periferia que vai quebrar um banco. (…) Grande parte da sociedade pacata se sente representada. Não está disposta a fazer como o Black Bloc, mas se diz intimamente: ‘Pode continuar, não quero que a Rota quebre esses meninos’.” No Roda Viva: “Para a gente dizer se dá para condenar ou não uma ação do Black Bloc, a gente tem de discutir, antes, a prioridade, inclusive midiática, e o escândalo que a sociedade sente quando um vidro é quebrado, quando o patrimônio de um banco é quebrado, e a gente não tem a mesma reação, e a gente não encara da maneira escandalizada, quando o cidadão é agredido. (…) O que a gente tem de entender é que são jovens que sofrem violência há muito tempo. A maioria deles não confia no estado…”
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Caetano Veloso
Compositor e “colunista” do Globo
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Tico Santa Cruz
Vocalista da banda Detonautas
 
Nas redes sociais, conforme reportado pelo Extra: “Vamos para as ruas! Mas vamos conscientes! 7 de setembro – meu ALVO É O CONGRESSO NACIONAL! Democracia não se faz com ratos de terno e gravata e sim com gente trabalhando pelo povo! BLACK BLOCK LIVRES”
Tico Santa Cruz Black Bloc
Rafael Alcadipani SilveiraCoordenador de pesquisas organizacionais da Fundação Getúlio Vargas
 
Ao Estadão: “Muitos dos jovens que estão usando essa estratégia da violência nas manifestações vieram das periferias brasileiras. Eles já são vítimas da violência cotidiana por parte do Estado e por isso os protestos violentos passam a fazer sentido para eles.”
 
Eugenio Bucci
Colunista do Estadão e da Época
 
Na Época: “Os adeptos do quebra-quebra devem ser contidos, por certo, mas não devem ser tratados como se fossem terroristas ou traficantes armados. Esses jovens não são a fonte do mal que nos espreita. Não são assassinos, não são assaltantes, não são integrantes de milícias ilegais.”
 
Andre Borges LopesColaborador do blog do militante petista Luís Nassif
 
No blog do Nassif: “Não tenho nem sombra de dúvida de que prefiro esses inconformados que atrapalham o trânsito e jogam pedra na polícia. (…) Esses moleques que tomam as ruas e dão a cara para bater incomodam porque quebram vidros, depredam ônibus e paralisam o trânsito. Mas incomodam muito mais porque nos obrigam a olhar para dentro das nossas próprias vidas e, nessa hora, descobrimos que desaprendemos a sonhar.”
 
Ivana Bentes
Professora e pesquisadora da Escola de Comunicação da UFRJ
 
“(…) é inútil e simplista dividir os manifestantes entre “vândalos”, “mascarados” e os manifestantes pacíficos. Se gritam é uma dor que dói. Ou uma intensa alegria. Estamos todos juntos! É impressionante ver como os garotos da periferia do Rio estão se apropriando e emponderando da linguagem politica e estética das manifestações e vice-versa. Porque ali, de máscara ou cara lavada, com táticas lúdicas (performance, fantasias, carnaval politico) ou violência real e simbólica o que está sendo viralizado e se propaga por contagio e intensos debates é um desejo de transformação. Uma escola de ativismo em fluxo, processo político. Os Black Blocks, mas não só eles, todos os que sofrem o poder no corpo (jovens negros das favelas, população de rua e agora ativistas e midialivristas) colocam de forma muito explicita uma questão decisiva para todos nós: o monopólio da violência pelo Estado.”
 
Jean Wyllys
Deputado federal do PSOL
 
No Facebook, usando o vandalismo da extrema esquerda de 1968 para aliviar a barra do da extrema esquerda atual: “O ‘vandalismo’ e sua linguagem da violência contra ‘patrimônios’ têm algo a nos dizer sobre esses tempos vivemos. Não vamos nos esquecer de que sair assaltando, ops!, ‘expropriando’ banco e sequestrando embaixadores também era considerado ‘baderna sem sentido’ na ida década de 70; queimar sutiãs em público e defender a inserção da mulher no mundo do trabalho também já foi considerado ‘baderna sem sentido’. Ora, se quem assaltou banco e sequestrou autoridades nos anos 70 tinham motivos (não compreendidos à época), os ‘vândalos’ de hoje também têm os seus; se na incompreensão dos motivos da geração 68, seus contemporâneos defenderam repressão contra ela, algo parecido pode estar se passando hoje com os ‘vândalos’! Já pararam pra pensar nisso?!”
 
Marcelo Freixo
Deputado estadual do PSOL
 
No Youtube: “Acho que é um movimento. Vários movimentos têm vários métodos distintos. Eu não sou juiz para ficar avaliando os métodos em si. Eu tenho uma militância de muitos e muitos anos, muito antes do Parlamento. São mais de 25 anos de militância. Tem uns métodos que eu acho que são mais eficientes, tem outros que eu acho que são menos, mas eu não sou juiz pra dizer que movimento é um movimento correto ou não é. Eu acho que qualquer movimento que visa a construção de uma sociedade mais justa é válido. E os métodos representam um outro debate.”
 
No vídeo Grito da liberdade:
 
João Damasceno
Juiz
 
“A criminalização dos manifestantes, dos movimentos sociais, é expressão da violência ilegítima do Estado, da truculência contra a democracia.”
 
Bianca Comparato
Atriz
 
“[Órgãos de imprensa] só reportam o que é que foi quebrado, o que foi destruído. E eu também acho que tem de parar para pensar o que é que está sendo destruído. São casas de pessoas, como (sic) a polícia joga uma bomba de gás dentro de um apartamento? Não! São lugares simbólicos”.
 
Marcos Palmeira
Ator
 
“Essa violência absurda da polícia contra a população, botando todo mundo no mesmo balaio, quer dizer, são duzentas pessoas presas politicamente… Isso é uma loucura em 2013. (…) Vamos anistiar esses presos políticos.”
Marcos Palmeira Pim Beagles
Participaram também:
 
- Wagner Moura
- Mariana Ximenes
- Leandra Leal
- Chacal
- Teresa Seiblitz
- Luís Henrique Nogueira
- Adriano Pilatti
- Camila Pitanga, que aliás questionou:
 
“A violência vai chegar até que ponto? Vão precisar terem mortes? Porque porrada já tá rolando. Pessoas sendo machucadas já está rolando. Agora, prisões. Daí vai pra onde?” Como bem observou um leitor, ela só não esperava que a morte ia ser de um cinegrafista; e os responsáveis, aqueles que ela julgava serem as vítimas.
 
Nenhum dos participantes do vídeo, diga-se, repudiou nele o linchamento deste PM, que acontecera dias antes, em 17 de junho de 2013:

 
Quando o PSOL – aquele partido que também recrutava punks para as manifestações, conforme denunciei na época – comandou a greve dos professores do Rio, em parceria com os Black Blocs, os “pensadores” abaixo também assinaram um manifesto de apoio aos tais “professores” (que você pode chamar de “black bloc teachers”): 
– Caetano Veloso
– Wagner Moura
– Marisa Monte
– Leandra Leal
– Fernanda Abreu
– Thayla Ayala
 
Que tal ao menos mandar umas flores para a família Andrade, hein?
 
2.
 
Carta aberta da filha de Santiago:
 
“Meu nome é Vanessa Andrade, tenho 29 anos e acabo de perder meu pai.
 
Quando decidi ser jornalista, aos 16, ele quase caiu duro. Disse que era profissão ingrata, salário baixo e muita ralação. Mas eu expliquei: vou usar seu sobrenome. Ele riu e disse: então pode!
 
Quando fiz minha primeira tatuagem, aos 15, achei que ele ia surtar. Mas ele olhou e disse: caramba, filha. Quero fazer também. E me deu de presente meu nome no antebraço.
 
Quando casei, ele ficou tão bêbado, que na hora de eu me despedir pra seguir em lua de mel, ele vomitava e me abraçava ao mesmo tempo.
 
Me ensinou muitos valores. A gente que vem de família humilde precisa provar duas vezes a que veio. Me deixou a vida toda em escola pública porque preferiu trabalhar mais para me pagar a faculdade. Ali o sonho dele se realizava. E o meu começava.
 
Esta noite eu passei no hospital me despedindo. Só eu e ele. Deitada em seu ombro, tivemos tempo de conversar sobre muitos assuntos, pedi perdão pelas minhas falhas e prometi seguir de cabeça erguida e cuidar da minha mãe e meus avós. Ele estava quentinho e sereno. Éramos só nós dois, pai e filha, na despedida mais linda que eu poderia ter. E ele também se despediu.
 
Sei que ele está bem. Claro que está. E eu sou a continuação da vida dele. Um dia meus futuros filhos saberão quem foi Santiago Andrade, o avô deles. Mas eu, somente eu, saberei o orgulho de ter o nome dele na minha identidade.
 
Obrigada, meu Deus. Porque tive a chance de amar e ser amada. Tive todas as alegrias e tristezas de pai e filha. Eu tive um pai. E ele teve uma filha.
 
Obrigada a todos. Ele também agradece.
 
Eu sou Vanessa Andrade, tenho 29 anos e os anjinhos do céu acabam de ganhar um pai.”

 
3.
 
No Globo Online: Mulher de cinegrafista pede que manifestações sejam pacíficas
 
(…) Arlita Andrade pediu que as manifestações não sejam violentas. Ela acredita que a violência não é o caminho para a mudança:
 
— Espero que as manifestações não sejam violentas. O Brasil vai ser mal visto. Ninguém vai querer olhar pra gente. Meu marido está indo embora, mas outras famílias podem ser destruídas.
 
Sobre os jovens que dispararam o rojão que atingiu seu marido, Arlita disse que faltou educação:
 
— Eu acho que esses rapazes que fizeram isso não tiveram os ensinamentos que eu dei para os meus filhos. O que falta é o amor pelas pessoas. Meu marido estava ali trabalhando. Ele estava ali mostrando uma manifestação.
 
Arlita também contou como soube que o marido tinha sido ferido:
 
— Deu 20h45m e eu liguei. Não foi ele que atendeu. Falei: ‘Santiago’. Disseram: ‘Não, aqui é’, falou o nome do cinegrafista. Falei: ‘Cadê meu marido?’. Ele falou: ‘Está no Souza Aguiar. Estourou uma bomba na cabeça dele e está em estado grave’. Levei susto e achei que não entendi e falei: ‘Ele foi fazer matéria de alguém que levou bomba?’. E a pessoa disse: ‘Não, foi ele mesmo’ — contou.

 
4.
 
Como escrevi no Facebook quando Santiago ainda estava em coma:
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Felipe Moura Brasil – http://veja.abril.com.br/blog/felipe-moura-brasil
 
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