sexta-feira, 13 de abril de 2012

UnB, aborto e desonestidade


UnB, aborto e desonestidade

Hoje, dia 12 de abril, a Cultura da Morte conseguiu conquistar mais um pedaço do Estado brasileiro. O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela descriminalização do aborto em caso de anencefalia do feto. A votação ainda está acontecendo, mas, em virtude da proporção de votos (7 a favor, e apenas 1 contra), não há possibilidade de a decisão do STF ser revertida nesse julgamento.

Ontem, dia 11, o STF começou a julgar a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 54. Por ocasião do início do julgamento em si, houve uma grande mobilização de religiosos, sacerdotes e leigos católicos – muitos dos quais são ativistas do movimento pró-vida – diante do STF. Sua demanda é, por óbvio, que o aborto de crianças anencéfalas seja tido como crime, como prevê atualmente o Código Penal.

Em virtude da grande celeuma gerada em torno desse julgamento, o portal da Universidade de Brasília publicou dois textos que defendem, de maneira quase vergonhosa, o aborto de crianças anencéfalas: um deles, encabeçado pelo professor Alexandre Bernardino Costa (vulgo ABC), da Faculdade de Direito da UnB, intitula-se (complicadamente) “A descriminalização da interrupção da gravidez de feto anencefálico como uma possibilidade de efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana”; o outro, intitulado “Uma escolha Severina”, é assinado pela professora Débora Diniz Rodrigues, do Departamento de Serviço Social da UnB. Os textos não serão aqui reproduzidos na íntegra (eles podem ser consultados através dos links disponibilizados acima), mas alguns trechos particularmente elucidativos serão pinçados para uma análise mais pormenorizada.

Prof. Alexandre Bernardino Costa

No texto elaborado pelo professor Costa e sua equipe, ele destaca um ponto curioso (grifos meus):
A controvérsia acerca da interrupção da gravidez de fetos anencefálicos resulta, em boa medida, da base eminentemente moral sobre a qual esta discussão precisa ser realizada. Uma vez que não há consenso sequer quanto aos fundamentos éticos ou mesmo médicos para se estabelecer um padrão sobre a essência da vida humana, é imprescindível reconhecer que o debate jurídico não pode se dar em torno da definição sobre em que momento começa a vida.

Deve, sim, balizar-se a partir do questionamento constitucional de fundo: o direito fundamental da mulher de eleger suas concepções morais acerca da existência ou inexistência de valores intrínsecos à vida pode ser regulado pelo Estado?
O que o professor Costa e sua equipe querem dizer é que, basicamente, Direito e Moral não se misturam, sobretudo nesse quesito. Permitam-me valer-me de um argumento de autoridade para contestar essa visão. Miguel Reale, um dos maiores juristas e filósofos brasileiros, na introdução do capítulo “Direito e Moral” de seu livro “Lições Preliminares de Direito” (REALE, 1993, p. 41), lembra-nos:
Ao homem afoito e de pouca cultura basta perceber uma diferença entre dois seres para, imediatamente, extremá-los um do outro, mas os mais experientes sabem a arte de distinguir sem separar, a não ser que haja razões essenciais que justifiquem a contraposição.
A teoria do mínimo ético, que nasceu do pensamento do filósofo utilitarista Jeremy Bentham, advogava que “o Direito representa apenas o mínimo de Moral declarado obrigatório para que a sociedade possa sobreviver”. Todavia, é fato que há regras do Direito que não podem ser consideradas dentro do campo da Moral – como, por exemplo, as normas que estabelecem o design das placas de trânsito –, de modo que a teoria do mínimo ético representa mais uma concepção ideal do que real da relação entre Moral e Direito. É certo dizer, entretanto, que há regras jurídicas que são estabelecidas de acordo com princípios morais. Um grande exemplo disso é a proteção à vida que permeia todo o nosso ordenamento jurídico – proteção essa que advém de concepções morais. Talvez o professor Costa e sua equipe não tenham tido o cuidado de ler uma obra tão básica para a formação acadêmica em Direito quanto “Lições Preliminares do Direito”, de Reale, mas isso não é de se estranhar em se tratando do professor Costa de um defensor incansável do Direito Achado na Rua, e de seu contumaz desprezo por qualquer pensador jurídico-filosófico “reacionário”.


Miguel Reale

Mais adiante, diz o texto do professor Costa (grifos meus):
Visto que vivemos em uma sociedade plural, e que, portanto, comporta a relativização das escolhas éticas, a melhor maneira de se lidar com questões que concernem a conflitos de valores é por meio do respeito à diferença e da possibilidade de expressão dos diversos posicionamentos que devem resultar de escolhas individuais.

Somente dessa maneira é possível pensar a democracia a partir de seus princípios fundadores e indissociáveis: a liberdade e a igualdade. A criminalização da conduta das gestantes que interrompem a gravidez de fetos anencefálicos é uma afronta a tais princípios, visto que significa a escolha, pelo Estado, dos valores que devem reger as condutas sociais. Como resultado, tem-se a frustração da liberdade de escolha moral dos indivíduos, bem como da desigualdade no tratamento das crenças.
A confusão entre Ética e Moral é algo bastante recorrente nos meios acadêmicos, e, em se tratando do texto em questão, seria apenas uma questão de tempo que os conceitos fossem metidos no mesmo balaio e misturados com zeloso vigor. Algo que talvez o professor Costa e sua equipe tenham tido grande dificuldade em compreender é há uma sensível diferença entre a determinação dos valores sociais pelo Estado (o que ocorre em regimes totalitários, como o comunismo, e pode é chamado usualmente de engenharia social) e a institucionalização dos valores sociais pelo Estado (o que ocorre, ou deveria ocorrer, em regimes de Estado de direito). A criminalização de gestantes que optam por abortar fetos anencéfalos é, decerto, uma afronta ao primeiro caso (claro, se o Estado refuta esse comportamento), mas é perfeitamente aceitável no segundo, uma vez que a norma que criminaliza o comportamento advém não do Estado, mas da sociedade, sendo por aquele absorvida do campo da Moral para o campo do Direito.

Continuemos (grifos meus):
Quando se trata de questões que transcendem à [sic] esfera jurídica e se deparam com valores morais e religiosos, como as que configuram o caso, a liberdade de escolher deve ser concedida e devidamente justificada com base na ordem constitucional, integrada pelos princípios regentes das relações sociais conforme os parâmetros da liberdade e da igualdade.

A democracia se configura como um regime de governo que não vislumbra possibilidade de existência sem a defesa dos direitos fundamentais, principalmente na concretude de momentos como estes – momento no qual se delineiam as principais nuances da contingência e historicidade de tais direitos. Mais do que soluções, direitos como a liberdade e a igualdade representam responsabilidades em relação aos indivíduos que constituem o hipotético consenso essencial para a afirmação de um Estado Democrático de Direito, o qual deve ser realizado, no caso em questão, com a viabilização do exercício da liberdade de credo pelas mulheres grávidas de fetos anencefálicos.
Ao criminalizar o aborto de fetos anencéfalos, o Estado não está criminalizando o exercício da liberdade de credo das gestantes. Liberdade de credo e liberdade de ação se encontram em campos distintos, ainda que haja – como no caso do Direito e da Moral – uma área em que se influenciam mutuamente. Exemplo: existem pessoas no Brasil que acreditam que mulheres que não respeitem as leis de pureza da Sharia, o ordenamento jurídico corânico, devam ser apedrejadas à morte. O Estado não criminaliza a liberdade de credo dessas pessoas: de fato, elas podem acreditar no que quiserem. No entanto, nenhuma dessas pessoas pode recorrer à “relativização das escolhas éticas” para apedrejar alguma mulher até a morte. A liberdade de crença é respeitada, mas não a liberdade de ação consoante a essa crença em termos que violam expressamente não apenas o ordenamento jurídico nacional, mas o próprio conjunto de normas morais que regem nossa sociedade.

Prof.ª Débora Diniz

Aliás, é justamente no campo da “relativização das escolhas éticas” que se insere o texto da professora Diniz. O texto recorre ao que chamamos, em retórica, de convencimento através do pathos: em um relato sentimentalista, o que se busca é obscurecer a situação concreta e, a partir de uma visão subjetiva (e subjetivista), realizar uma defesa aparentemente honesta do aborto de anencéfalos. Vejamos (grifos meus):
Severina e a corte [STF] se conheceram em 20 de outubro de 2004. Severina saiu de Chã Grande convencida de que passaria uma noite na maternidade em Recife. Estava grávida de 14 semanas de um feto com anencefalia, uma má-formação incompatível com a sobrevida fora do útero. A imagem transparente da ecografia não lhe deixou dúvidas: o feto não tinha cérebro. Rosivaldo exibia a ecografia como uma prova do que os olhos não viam. E, segundo os versos de Mocinha de Passira, repentista que cantou a história de Severina, não se vive “sem a peça genuína”. Sem cérebro, não há vida, só uma sobrevida de minutos, horas ou dias.

Severina não foi atendida no hospital. A liminar que autorizava a interrupção da gravidez foi cancelada pela mesma corte que hoje conhecerá em Brasília. Nesses oito anos, Severina não entende bem as razões de tanta espera. Não está claro para os ministros do STF que o feto não irá sobreviver? Não basta conhecer sua dor pelo filme que leva o seu nome para entender que o sofrimento involuntário não dignifica as mulheres?Ela sabe que não falará aos ministros, só ouvirá as razões que já sentiu como uma sentença no passado. Severina deu à luz um feto natimorto que, sem nome e registro de nascimento, foi enterrado em uma cova que ainda hoje desconhece o repouso no cemitério. Mas parece que ainda há dúvidas, senão sobre o diagnóstico letal e irreversível da anencefalia, sobre as razões éticas que levariam as mulheres ao aborto em caso de anencefalia fetal.
Aqueles que defendem o aborto de anencéfalos parecem ser incapazes de compreender é de que essa “má-formação incompatível com a sobrevida fora do útero” não transforma o feto instantaneamente em um cadáver. Não importa a possibilidade de sobrevida de um feto para se determinar se ele é ou não, dentro do útero materno, um ser vivo: a mera ocorrência da concepção o transforma em um ser vivo. A esse respeito, Jérôme Lejeune, geneticista responsável pela causa da Síndrome de Down, declarou certa vez que
a vida começa na fecundação. Quando os 23 cromossomos masculinos se encontram com os 23 cromossomos femininos, todos os dados genéticos que definem o novo ser humano já estão presentes. A fecundação é o marco da vida.
Ainda sobre esse assunto, Lejeune asseverou (BRANDÃO, 1999, p. 25):
Aceitar o fato de que, depois da fertilização, um novo ser humano começou a existir não é uma questão de gosto ou de opinião. A natureza humana do ser humano, desde a sua concepção até sua velhice não é uma disputa metafísica. É uma simples evidência experimental.

Dr. Jérôme Lejeune


Decidir levar a termo uma vida humana antecipadamente em virtude da quase certeza de morte natural iminente não é um ato que se justifica. Se assim fosse, seria perfeitamente plausível que matássemos qualquer pessoa: se a probabilidade de morte iminente o justifica, a imprevisibilidade da morte (que pode vir a ocorrer em qualquer instante) apresenta-se como uma justificativa ainda maior – afinal, todos morreremos, certo?
Continua o texto da professora Diniz (grifo meu):
Severina se recusa a ser comparada aos nazistas. A escolha severina não é resultado da perversão de um Estado totalitário que oprime e ignora a autonomia das mulheres. Não há eugenia em um regime de liberdade de escolha. Eugenia é uma peça de uma engrenagem de opressão, segregação e discriminação. Nenhum médico forçou Severina a antecipar o parto. O padre de sua paróquia, em vão, tentou demovê-la da decisão, mas Severina estava convencida do que sua dor pedia. A verdade é que ela não tem as vantagens de quem pode prescindir da legalidade, por isso exibe as mãos com que trabalha a terra para demonstrar sua submissão à ordem democrática. Sem o direito ao aborto, sua vida se resumiu a uma longa espera.
O Dr. Dernival da Silva Brandão, médico especialista em Ginecologia e Obstetrícia e membro titular da Academia Fluminense de Medicina, propõe uma visão bastante distinta daquela utilizada no texto sentimentalista da professora Diniz (BRANDÃO, 1999, p. 30):
É importante esclarecer que o aborto provocado para matar um nascituro doente não tem a conotação do denominado aborto terapêutico, e sim de aborto eugênico: como no caso da gestante que tenha contraído rubéola, mata-se a criança não nascida diante da possibilidade de que venha a nascer doente. [...] O diagnóstico pré-natal deve ser realizado enquanto possa servir ao bem da pessoa, e ser adequado à prevenção, ao diagnóstico e ao tratamento de enfermidades; e não para discriminar os portadores de genes patogênicos e defeitos congênitos. Senão aplicar-se-iam conhecimentos médicos não para tratar o doente, mas para eliminá-lo por ser doente. Seria preconizar a eugenia já usada e condenada no passado: a eliminação de toda uma população infantil porque não corresponde aos critérios que os eugenistas exigem para serem admitidos na comunidade humana.

No entanto estão a autorizar e a fazer abortos eugênicos, em casos de malformações, como por exemplo os anencéfalos, rotulando-os de “terapêuticos”. Caso essa prática nefanda venha a se tornar rotineira com os anencéfalos e estendida a outras malformações, não é difícil concluir que servirá de argumento (fato consumado) para legalização do aborto eugênico.
O Dr. Ives Gandra Martins – que, lembremos, teve sua condição de amicus curiae negada pelo STF menos de uma hora antes do início do julgamento da questão dos anencéfalos –, um dos maiores juristas brasileiros da atualidade, nos recorda (MARTINS, 1999, pp. 134-135):
O direito à vida, talvez, mais do que qualquer outro, impõe o reconhecimento do Estado para que seja protegido e, principalmente, o direito à vida do insuficiente. Como os pais protegem a vida de seus filhos após o nascimento, os quais não teriam condições de viver, sem tal proteção à sua fraqueza, e assim agem por imperativo natural, o Estado deve proteger o direito à vida do mais fraco a partir de teoria do suprimento.

Por esta razão, o aborto e a eutanásia são violações ao direito natural à vida, principalmente porque exercidos contra insuficientes. No primeiro caso, sem que o insuficiente possa se defender e no segundo, mesmo que com autorização do insuficiente, porque o insuficiente, levado pelo sofrimento, não raciocina com a lucidez que seria desejável. É violação ao direito à vida o suicídio, pois o suicida é também um insuficiente levado ao desespero do ato extremo, por redução da sua capacidade inata de proteção, constituída pelo intuito de preservação.
Dr. Ives Gandra

Finalizando seu texto, a professora Diniz arremata sua peça cheia de emoção assim (grifos meus):
Não sei se há outras dúvidas sobre a ética das mulheres que desejam antecipar o parto em caso de anencefalia fetal. Se não é eugenia, não é homicídio, tampouco genocídio, a pergunta é: por que obrigar uma mulher a se manter grávida contra sua vontade? Minha hipótese é que não há resposta legítima, por isso a Suprema Corte terá a oportunidade de corrigir um erro histórico que ignora os direitos reprodutivos das mulheres. Não há como reparar a dor vivida por Severina, mas há como cuidar das severinas ainda por vir. A todas elas garantiremos que a dignidade das mulheres não se resume à maternidade compulsória.
No mesmo texto supracitado, o Dr. Ives Gandra responde a essa questão (MARTINS, 1999, p. 135; grifos meus):
Os argumentos, que têm sido trazidos à discussão, de que o aborto não é atentado ao direito à vida, mas o exercício de um direito ao corpo que a mulher possui, não prevalece, visto que se a própria natureza feminina faz-lhe hospedeira do direito à vida de outrem, no momento em que a hospedagem se dá, já não é mais titular solitária de seu corpo, que pertence também a seu filho. E o egoísmo que a leva a assassiná-lo, para fazer dele uso exclusivo de seus apetites, caprichos, conforto ou qualquer outro motivo, representa tirar o direito a outrem que também é titular do corpo materno. Desde a concepção, o corpo feminino pertence a duas vidas e é dirigido por dois seres, a mãe e o filho, e a mãe não pode praticar homicídio para retirar ao filho um direito que possui ao corpo materno, qualquer que seja a conveniência ou o motivo. O corpo já não mais lhe pertence por inteiro e o aborto, em tal caso representa, em verdade, um latrocínio, visto que ao assassinato do filho junta-se o roubo da parte do corpo materno que de direito ao filho gerado pertencia.
A mera publicação desses artigos no portal da Universidade de Brasília não representa apenas a divulgação do pensamento de alguns membros da comunidade acadêmica, muito menos se configura apenas numa divulgação puramente jornalística. A Secretaria de Comunicação da Universidade de Brasília é um órgão de comunicação institucional, não uma central jornalística – ainda que, de maneira recorrente, tenha agido como um chinfrim tablóide esquerdista –, e a publicação de qualquer artigo de opinião através desse órgão pressupõe que o referido artigo se trata do posicionamento oficial da instituição acerca de um dado tema. Assim sendo, é estarrecedor o fato de que uma universidade assuma tal posicionamento, que, como vimos, carece do mais básico rigor acadêmico – isso sem contar na essência ideológica desse posicionamento.

A verdadeira face da Cultura da Morte.
Quando divulga-se que existe sim uma Cultura da Morte, que a implantação dessa cultura é um esforço em escala global financiado por organizações “filantrópicas” de grande porte, e que existem pessoas infiltradas em diversos setores da sociedade brasileira que recebem apoio dessas instituições para promover a Cultura da Morte no País, a opinião geral é de que se trata de uma teoria conspiratória quase apocalíptica, semelhante às visões tétricas de Nostradamus, que não merece um pingo de consideração. Esse pensamento auxilia muito pessoas como a professora Débora Diniz, que tem se valido de constante apoio financeiro da Fundação MacArthur – através de seu FLD (Fund for Leadership Development, ou Fundo para Desenvolvimento de Lideranças) – para promover a agenda abortista nos meios acadêmicos. A evidência é fornecida pela própria Fundação MacArthur.

A Cultura da Morte está avançando a passos largos no Brasil. O papel exercido pelas universidades para a sua implantação – de acordo com o cânone gramsciano-althusseriano – está aí, escancarado, exposto a quem quiser ver. Se cruzarmos os braços diante dessa situação abjeta e ultrajante, não poderemos culpar efetivamente os agentes da Cultura de Morte por fazerem seu serviço sujo: só poderemos culpar-nos a nós mesmos por não assumirmos a nossa responsabilidade de impedi-los.

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