Maurício Tsan Hu" - o filósofo- séc. 5 era Mei
Howard estava esfuziante. Depois de tantos anos de pesquisa, praticamente uma vida de privações e descrédito, eram agora premiados. A pequena abertura que cedeu aos seus pés indicava que havia uma câmara logo abaixo. Era irônico se deparar com aquilo justo no fim do último dia, depois de dispensados os trabalhadores, enquanto caminhava pela abandonada escavação. Essa era a prova que precisava para conseguir mais verbas do Museu e terminar a pesquisa vitorioso.
Poderia esperar até a manhã seguinte, mas seu espírito de descobridor falou mais alto e resolveu se esgueirar com uma tocha no estreito túnel imediatamente. Deparou-se com uma grande câmara. Não se preocupou com a maldição escrita na parede da entrada, que dizia que qualquer invasor seria severamente castigado, pois como cientista não acreditava nessas coisas. Olhando os hieróglifos talhados na parede, como conhecia o significado da maioria dos símbolos, decifrou com pouca dificuldade a antiga escrita.
Estava maravilhado. Descobriu que a câmara foi construída para abrigar a correspondência entre dois grandes faraós do Egito. A correspondência entre os dois reis estavam em papiros dentro de vasos encostados nas paredes, que seguiam a seqüência exata remetida por eles. Não resistindo à curiosidade, mesmo com o avançado da hora, resolveu que começaria naquele instante a decifrar as maravilhas que continham.
A correspondência de dois grandes nobres! Quanto conhecimento, quantos segredos, quanta informação elas não conteriam? O conhecimento dos seus conteúdos poderia dar mais luz sobre aquela gloriosa e honrada civilização perdida. Abriu relutantemente o primeiro vaso, desenrolando cuidadosamente o papiro sobre suas pernas. Começou a ler o conteúdo, emocionado:
Vaso 1
"Ó grande rei do alto Egito, filho querido e predileto de Rá, abençoado pelos deuses, grande caçador. Que sua casa esteja em paz. Que seus filhos e filhas estejam bem e prósperos. Que seus campos produzam abundância de trigo e seu gado procrie intensamente. Já há muito tempo que nossos reinos estão em trégua, desde a última guerra. Enquanto caminhava no palácio, cheguei à conclusão de que devíamos nos aproximar e unir o Egito, fazendo uma grande Nação. Para isso, eu, o rei do baixo Egito, mando ao colega minha filha predileta, filha de Ámon, para ser sua esposa, bem como cem escravos hititas para lhe servir. Mando também quinhentas cabeças de gado e outros presentes. Estimo que isso selará um acordo duradouro entre nossos reinos. Aguardo uma resposta do grande rei."
Vaso 2
"Ó grande rei do baixo Egito, filho adorado e benvindo de Ámon, abençoado pelos deuses, grande provedor. Que sua casa também esteja em paz. Que seus filhos e filhas estejam bem. Que os campos sejam férteis e as criações abundantes. Recebi os presentes que me mandou, bem como sua bela filha, filha de Ámon. Agradeço. Porém, poderia ter mandado uma que não tivesse mal hálito e fosse mais limpa. Agradeço os cem escravos hititas. Mas acredito que o colega está um pouco confuso, pois os mandou armados e eles devastaram a minha guarda pessoal. Por sorte sobrevivi para receber o gado. Também agradeço, mas não sei o que fazer com quinhentos marrecos selvagens. Bem como cem potes de vinho vazios e duzentas folhas de papiro usadas de um lado. Mas o nobre colega está certo.Temos de unir os nossos reinos. Retorno agora sua gentileza e mando-lhe meu filho,abençoado por Rá, para ser marido de sua filha predileta. Mando-lhe também cem vasos de fino óleo de oliva e cem touros de raça como presente, bem como cem eunucos núbios, para servir a sua casa. Aguardo uma resposta do querido colega."
Vaso 3
"Ó rei do alto Egito, filho querido de Rá. Que esteja bem, assim como seus filhos e filhas. Que as colheitas sejam fartas e o gado gordo e sadio. Agradeço os presentes. Bem como o seu filho, querido de Rá. Mas infelizmente, o mesmo fugiu com o seu cocheiro real antes mesmo de chegar. Devem estar agora na Palestina, felizes. Agradeço os eunucos, mas creio que o nobre amigo esqueceu de castrá-los antes de enviá-los e eles engravidaram as minhas duzentas servas pessoais, que agora ficam sorrindo abobadas pelos cantos do palácio. Obrigado também pelo azeite de oliva, que infelizmente deve ter sido contaminado por água, pois esse é o conteúdo dos vasos. Mas mesmo assim, mando-lhe em retribuição cem quilos do mais fino incenso e cinqüenta cavalos da melhor raça, em nome de nossa futura amizade. Aguardo resposta do amigo."
Vaso 4
"Ó rei do baixo Egito, filho adorado de Ámon. Que esteja bem, assim como sua terra e seu gado. Obrigado pelo incenso. Que acredito, por engano, foi substituído por cem quilos de esterco de porco. Vi os cavalos com os quais me presenteou. Mandei-os imediatamente para o açougue real tentar aproveitar pelo menos os ossos, já que estão mais magros que os marrecos, que faz tempo dei aos cães reais. Seu rebanho de cavalos infelizmente deve estar necessitando de sangue novo. Por isso, devolvo a sua porc, digo,bela filha, filha de Ámon, junto com o instrutor real de como se banhar e escovar os dentes depois das refeições. Aguardo resposta."
Vaso 5
"Ó rei do alto Egito, desilusão de Rá. Que seus filhos e filhas fujam com amantes assírios. Que sua colheita seja pouca e seu gado, magro. Como ousa devolver a minha porc, digo, filha? Se está pensando que vou aceitar isso, está enganado. E fique sabendo que meus cavalos são bem melhores que aqueles touros que me mandou, que por mais que insista em serem uma nova raça, não páram de cacarejar e botar ovos. A propósito, estou devolvendo o seu instrutor, dentro dos seus vasos de azeite. É só juntar os pedaços para a próxima aula, que sem dúvida, você deve estar precisando."
Vaso 6
"Ó rei do baixo Egito, capacho de Ámon. Que sua família se dane, bem como aquela porca. Que colha apenas gilós e seu gado seja reduzido a duas cabras velhas. Deveria ter mandado todos os machos da Núbia para o seu quintal, não apenas cem deles. Aliás, vivo dizendo a eles que aí não tem homem. Gostaria de enfiar-lhe aqueles cem quilos de esterco goela abaixo e aqueles burros em seu traseiro real."
Vaso 7
"Ó grande estúpido, estrume de Rá. Que Rá o encontre de quatro, enquanto procura o amante de sua esposa embaixo da cama. Que colha apenas o que sua mulher, aquela que todos conhecemos, plantou. Fique com seus núbios, que devolvo inteiros. Talvez seus filhos possam aprender alguma coisa com eles. Acredita mesmo que aquele rapaz, afeminado filho de Ámon, teria algum proveito? Acho que ele teve a quem puxar."
Vaso 8
"Ó grande cretino, vaso de urina matinal de Ámon. Que Ámon durma com suas mulheres enquanto você pesca no Nilo. Para mim, agora chega. Isso é guerra. Espere-me com seu exército, que irei até aí mostrar o que penso de você"
Vaso 9
"Ó idiota, escarradeira de Rá. Que Rá o use como lavador de latrina na época das ameixas. Venha com seu exército capenga. Estou esperando."
Haviam muitos outros vasos na seqüência, mas Howard resolveu não abri-los. Cuidadosamente, recolocou-os nos lugares em que os encontrou, repondo com cuidado a poeira de séculos que tinha retirado. Logo após, saiu na ponta dos pés, camuflando de novo e permanentemente a estreita entrada. Realmente, há certos assuntos em que as pessoas não devem se meter, nem os cientistas.
FIM
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