Autoconhecimento tem
a ver com autocontenção.
Limites.
Antigamente eu pensava que toda a
questão a respeito de limites era centrada na máxima socrática, obtida no
oráculo délfico de conhecê-los enquanto humanos, mas não. Não é apenas isso.
Precisamos mais. Precisamos demarcá-los. A Bíblia mostra Hashem estabelecendo
estatutos, estatutos os quais Ele sabiamente estabeleceu e nos entregou
prontos, de bandeja, para utilização imediata.
Mas nós possuímos limites internos
que precisamos, além de conhecê-los, no sentido de sermos inteirados de sua
existência, estabelecer seus “estatutos”.
As aspas se tornam necessárias e
convenientes pelo fato das palavras “estatutos” e “limites” de fato serem
sinonímias. Então, seria apropriado dizer que devemos estabelecer limitações
aos nossos limites?
Muitas vezes, mesmo tendo noção
de nossos limites, estes não são suficientes para que, ao usarmos deles não
fiquemos livres das consequências nefandas de sua justa utilização.
Podemos, ao lançar mão de nosso
reconhecido direito de verbalizar ou agir, para que, no final, apenas nos
tornemos insensíveis algozes e, consequentemente, futuras vítimas tardias de
vendetas em razão de nossas atitudes, ainda que notoriamente legítimas, portanto
notoriamente admitidas, no entanto notadamente imorais, por conseguinte,
manifestando suas nítidas falhas, tanto no âmbito de uma ação pessoal a ser
tomada, quanto ao caráter a ser definido.
Nem todo direito deve ser
utilizado na sua completa extensão, não leve seu crédito ao limite, diria o
sensato administrador. O que anula e torna insignificante o mérito do correto
proceder, ao se dispor do agir numa correta tomada de decisão, ainda que
legitimamente? Há que se entender que o ato de locomover-se tanto é próprio, do
humano quanto do equino, mas há que se entender da patente inadequação desse
ato natural quando o segundo o executa dentro do escritório.
A capacidade de
conter a insolência, citada por Marcus Aurelius.
Em primeiro lugar, julgo que o
mais importante, antes de tudo é estabelecer a responsabilidade do
direcionamento desta virtude de difícil conquista e manutenção: Marcus Aurelius, embora tivesse poder
suficiente para o contrário, obviamente se refere a si próprio ou a referência
seria “ a capacidade de conter os insolentes”.
Como insolentes, me refiro
àqueles que agem com despropósito, inadequação. Os arrogantes e estúpidos.
Aqueles tidos como inconvenientes, tanto por suas falas quanto pelos seus atos.
Essa inadequação é surpreendentemente ativa nos mais símplices de caráter, mas
se apresenta de forma inusitada e em ocasiões inesperadas até nos mais sábios,
portanto, endêmica na humanidade.
São 3 os benefícios resultantes
ao homem capaz de controlar a insolência própria, a saber, a superação da dor e
do prazer, a superioridade sobre uma pequena glória e a não afetação emocional
em relação aos obtusos e ingratos.
Passar sobre e ao longe, sem se
importar com o sentimento de regozijo diante da sua retórica, pela perfeita
capacidade de ordenamento do pensamento a respeito do assunto discutido, que
leva ao seu raciocínio a ser aplaudido, bem reputado e sendo honrado com a
última palavra sobre a querela te faz superar o prazer.
Por outro lado, é fato que a
sensação de dever cumprido, mesmo superior, não é menos almejada que a de
reparação da honra por uma reprovação quanto a uma colocação fraca ou mesmo
errada num argumento, quando o indivíduo remodela seu antes defeituoso
raciocínio e retoma a razão e tem reconhecida vitória sobre o querelante.
Neste caso, temos que entender
que tanto essa mencionada dor deste segundo caso, quanto o prazer citado no
anterior, ainda que possuindo importâncias diferentes, têm características
deletérias ao caráter humano na mesma intensidade, portanto, são objeto de
igual atenção e combate similar.
Para o autor, não existirá glória
humana que resista ao tempo, mas há de se agir conforme e de acordo com os
ditames naturais, sem a eles negar sua superioridade intrínseca e nossa
intrínseca submissão. Tudo mais, tudo além da vida consonante com o fluxo “naturae”, a saber, o fisiológico e o
patológico não se revelam de grande importância, sendo reputados como glórias
pequenas e facilmente evanescentes.
Reconhecimento, homenagem,
títulos, conquistas materiais ou imateriais, honrarias e distinções, que por
sua natureza dividem indivíduos em níveis e graus de importância, estas
pequenas glórias, o homem sábio deve superar ao conter sua insolência. Fortuna
ou desgraça não têm apelo sobre o homem sábio, pois ambas são vãs.
Homens sábios recebem com desdém
as falas e atos de pessoas obtusas e ingratas. Não há possibilidade de
crescimento mental ou espiritual nesse tipo de fala ou ato. Perda de tempo não
tem boa recepção para os que procuram sabedoria, portanto não há local de
guarida a este tipo de raciocínio diametralmente oposto à verdadeira riqueza e
à busca da real felicidade humana.
Não obstante o homem sábio sabe
que, enquanto possui riquezas reais, outros sofrem pela falta deste recurso
valiosíssimo e não os vê com o mesmo desdém dirigido às suas palavras e
proceder. A estes, diz o autor, lhes é sempre solícito no intuito de que
aprendam e mudem de rumo.
De certo modo, observa-se dois
tipos de entendimento do mundo: os que entendem que o mundo está num universo
caótico e, nada esperando do mesmo, nada investem em esforços racionais para sua
riqueza espiritual.
Seres assim estão caminhando em
desespero, pois seus únicos dons são conquistados por sua própria mão ou
arrebatando sem culparem-se, das mãos de outrem.
As demais encaram o universo como
um encadeamento ordenado, longe do visual caótico, portanto procuram seu
ordenamento e, com isso deparam-se com a existência do seu Ordenador e Este
lhes fala, através de Sua obra e lhes proporciona dons em profusão, seja para
prazer ou para corrigir, e destes recebe agrado e gratidão, pelo bem e pela
real felicidade
Estes homens, alguns sem muito
recurso, outros com abundante provisão material, crescem e frutificam, pois a
cada experiência travada distanciam-se do desespero e movem-se na direção
oposta, rumo à fiel esperança de crescimento interno, crescimento este que nada
nem ninguém lhes pode arrebatar.